DAATNEWS PORTUGAL
Janeiro 2022

Transplante pulmonar e hepático no défice alfa 1 antitripsina - valerá a pena?
Autor do comentário: Dra. Ana Sofia Santos. MD, Pneumologista, Centro Hospitalar Lisboa Central- Hospital de Santa Marta

Martin R Zamora, Ali Ataya
Ther Adv Chronic Dis. 2021 Jul 29;12_suppl:20406223211002988. (Abstract do artigo base)

No artigo de revisão "Lung and liver transplantation in patients with alpha-1 antitrypsin deficiency", pertencente a uma serie de artigos que abordam a deficiência da alfa1 antitripsina (DA1AT), os autores propõem-se a rever os resultados do transplante pulmonar e hepático neste grupo de doentes.

Apesar da existência de terapêutica de substituição que contribui para atrasar a progressão da doença, a insuficiência respiratória mantém-se como a principal causa de morte nestes doentes, seguido pela doença hepática. Apesar de uma percentagem reduzida necessitar de transplante pulmonar (cerca de 5%), esta é actualmente a 4ª indicação para transplante pulmonar no mundo.

Os doentes propostos para transplante com DA1AT, são normalmente 10 anos mais novos que os doentes com DPOC e com menos carga tabágica acumulada, no entanto, apesar destas aparentes vantagens, os dados da sobrevivência pós-transplante neste grupo são dúbios e muitas vezes contraditórios.

Um estudo no Reino Unido com base no registo ADAPT (Antitrypsin Deficiency Assessment and Program for Treatment) mostrou dados de sobrevivência pos-transplante semelhante aos doentes controlo que não tinham sido submetidos a transplante. No entanto os resultados de qualidade de vida e os valores de FEV1 eram consideravelmente melhores, mostrando os efeitos benéficos do transplante para além da sobrevivência.

Os autores analisam outros estudos realizados até à data com incidência nos resultados pós transplante, verificando-se uma sobrevivência a curto prazo pior que nos doentes DPOC não DA1AT, mas com melhoria na sobrevivência a longo prazo. Como uma das principais causas de morte neste grupo surge a infecção, assim como a doença hepática.

Recentemente os dados americanos já não mostram esta desigualdade entre doentes DA1AT e DPOC não DA1AT e os autores argumentam que será pelo maior uso da terapêutica de substituição, permitindo que sejam transplantados mais tarde e também pela implementação desde 2005 dos critérios LAS (Lung Allocation Score). Estes critérios priorizam os doentes com base no seu estado clínico e gravidade da doença e não pela altura de entrada em lista e, desta forma, os doentes com DA1AT acabam por ser submetidos a transplante mais velhos mas com maior benefício para sobrevivência. Também é argumentado que esta melhoria se deva aos avanços na área dos cuidados pos-transplante pulmonar. Em relação à terapêutica de substituição, é constatado o seu benefício em atrasar a progressão da doença e o consequente transplante pulmonar, no entanto o seu papel no pós-transplante ainda é pouco claro e sem estudos.

Um estudo na Alemanha abordou doentes submetidos a transplante e dividiu-os nos que tinham realizado terapêutica de substituição prévia ao transplante e os que não tinham, verificando-se pior sobrevivência no grupo dos que tinham realizado terapêutica, sendo esta estatisticamente significativa a longo prazo. Estes dados foram inesperados e foi sugerido que seria pelos doentes sob terapeutica serem mais graves ou pelo efeito imunomodulador da alfa1-AT e o efeito rebound da sua suspensão súbita.

Em relação à doença hepática, esta pode passar indetectada, pelo que as normas ATS/ERS recomendam a monitorização da função hepática, com a ressalva que os valores analíticos podem permanecer normais e sugerindo a realização de outros exames complementares. Quando surge a insuficiência hepática terminal, o transplante hepático é a única terapêutica eficaz, com uma sobrevivência a longo prazo superior a outras indicações para transplante, tanto para crianças como para adultos. A melhoria dos tratamentos médicos pós transplante e cuidados na doença hepática crónica também tem vindo a melhorar a sobrevivência nestes doentes. Um benefício único é a normalização dos valores de alfa1-AT após o transplante, podendo atrasar a evolução da doença pulmonar. Em casos selecionados, o transplante duplo pulmão-figado pode ser considerado, mas com poucos dados neste grupo de doentes.

Concluindo, o transplante pulmonar e hepático são opções terapêuticas viáveis em doentes selecionados, com benefícios na sobrevivência e qualidade de vida e, apesar de estudos mais antigos mostrarem diferenças na sobrevivência, estas não se verificam actualmente.


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Ponto de situação sobre as mutações causadoras de DAAT
Autor do comentário: Profª Susana Seixas. PhD, Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), Porto

Susana Seixas, Patrícia Isabel Marques
Appl Clin Genet. 2021 Mar 22; 14:173-194. doi: 10.2147/TACG.S257511. eCollection 2021 (Abstract do artigo base)

A deficiência de alfa-1 antitripsina (DAAT) é causada por mutações no gene SERPINA1 e constitui uma das doenças genéticas mais prevalentes na Europa, mas que permanece ainda subdiagnosticada.

Embora a principal consequência da DAAT seja a redução dos níveis circulantes da proteína alfa-1 antitripsina (AAT), esta condição está associada a um risco aumentado de doença respiratória no adulto e hepática em crianças e adultos.

Duas variantes patogénicas, designadas por S e Z, e dois genótipos de risco, um mais severo - ZZ e outro mais moderado - SZ, têm sido os principais implicados na DAAT. No entanto, múltiplos esforços de caracterização de populações saudáveis e de pacientes com DAAT têm revelado um elevado número de mutações no gene SERPINA1 que ultrapassam atualmente as 500. Apesar de muitas destas variantes poderem ser benignas, estima-se que cerca de um terço possam conduzir à DAAT.

De um modo geral, as mutações de SERPINA1 podem ser classificadas como de perda-ou ganho-de-função em concordância com as suas consequências patofisiológicas. Enquanto que as mutações de perda-de-função estão diretamente relacionadas com a diminuição da AAT circulante e uma menor atividade inibitória contra a elastase neutrofílica e outras protéases, fundamental na homeostase dos tecidos pulmonares. As de ganho-de-função estão associadas à polimerização da AAT, o que resulta num aumento do stress no reticulo endoplasmático e na morte celular de hepatócitos e pneumócitos, promovendo ainda uma resposta inflamatória exacerbada no interstício pulmonar. As variantes deficientes e nulas (e.g. Q0Ourém) enquadram-se na categoria de perda-de-função. Por sua vez, o ganho-de-função aplica-se às variantes polimerogénicas Z e MMalton, mas também à variante S. Aqui salienta-se a recente indicação de que num genótipo SZ a presença de uma forma Z pode condicionar a formação de heteropolimeros com a proteína S. Este fenómeno parece justificar a doença hepática em pacientes SZ particularmente quando existe um segundo fator de risco como o alcoolismo, sendo, no entanto, desconhecido um mecanismo semelhante na doença respiratória. Um caso único de ganho-de-função ocorre na variante Pittsburgh onde a atividade inibitória da AAT é modificada para a trombina.

Em síntese, os dados atuais apontam para uma contribuição significativa de outras variantes patogénicas na DAAT podendo estas atingir 17% dos casos. Torna-se assim imperativo considerar esta diversidade mutacional no diagnóstico da DAAT e continuar a estimular o conhecimento dos diferentes mecanismos de doença e dos seus fatores de risco em associação com a perda- e ganho-de-função da AAT.


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Valerá a pena insistir no FEV1 como parâmetro de avaliação da eficácia da terapêutica de reposição na DAAT?
Autor do comentário: Dra. Catarina Guimarães. MD, Pneumologista. Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães

Iris G M Schouten, Marise J Kasteleyn, Roula Tsonaka, Robert Bals, Alice C Turner, Ilaria Ferrarotti, Angelo G Corsico, Beatriz Lara, Marc Miravitlles, Robert A Stockley, Jan Stolk
ERJ Open Res. 2021 Aug 23;7(3):00194-2021. doi: 10.1183/23120541.00194-2021. eCollection 2021 Jul. (Abstract do artigo base)

Na deficiência de alfa-1 antitripsina (A1AT) o fenótipo PiZZ é o que mais frequentemente se relaciona com manifestações pulmonares. De acordo com as recomendações da ATS/ERS a terapêutica de reposição está aprovada para doença grave de acordo com o limiar protetor de 11µM e com um FEV1 entre 30 a 65% do previsto. Sabe-se que o tratamento de reposição tem comprovada eficácia bioquímica e segurança na sua utilização, mas só no final dos anos 90 é que os estudos começaram a avaliar parâmetros clínicos: melhoria das exacerbações, função pulmonar ou sobrevida. O resultado mais relevante destes estudos foi a redução da perda de densidade pulmonar avaliada por densitometria pulmonar.

Fica a questão se as alterações da densidade pulmonar precedam as alterações do FEV1 e se um seguimento mais longo destes doentes pode evidenciar esta relação. No seguimento desta hipótese foi realizada uma análise retrospetiva da evolução do valor previsto de FEV1 pós broncodilatação em doentes PiZZ com enfisema pulmonar quer tenham recebido ou não terapêutica de reposição. Foram usados os dados do Registo Internacional Alfa 1 (AIR), tendo sido abrangidos doentes de 5 países europeus (Alemanha, Reino Unido, Espanha, Itália e Países Baixos). Assim, foram incluídos 374 doentes, 128 com tratamento e 246 sem tratamento de reposição com um seguimento médio de 8.59±2.62 e 8.60±3.34 anos, respetivamente. Todos os doentes apresentavam idade ≥ 25 anos, fenótipo PiZZ, seguimento ≥ 4 anos e FEV1 pós- broncodilatação entre 35% a 65% do previsto. Verificou-se um declínio medio de FEV1 de -0.931% do previsto por ano nos doentes não tratados e de -1.016% nos doentes tratados (p=0.71). As conclusões deste estudo foram sobreponíveis ao do estudo RAPID mas com uma taxa de declínio anual de FEV1 menor, provavelmente relacionado com um maior período de avaliação (>8 anos) e com a perspetiva de que o tratamento de reposição poderá trazer uma menor taxa de declínio a mais longo prazo. Também há limitações a registar neste estudo retrospetivo nomeadamente a exclusão de muitos doentes por falta de dados, períodos de ausência de tratamento de reposição por falha de disponibilidade da terapêutica, ausência de caracterização da terapêutica broncodilatadora e ausência de dados relativos ao follow-up nomeadamente o registo de exacerbações.

Assim, se o objetivo da terapêutica de reposição é a prevenção da deterioração pulmonar e da progressão do enfisema, o FEV1 já mostrou ser muito pouco sensível. Será que outro parâmetro funcional como a DLCO deveria ser a base para avaliar a indicação e monitorização desta terapêutica, assim como para o follow-up da doença?

Para além dos dados da densitometria e dos parâmetros funcionais respiratórios, também poderão ser usados biomarcadores que estão associados a atividade das protéases como um método para avaliar se a dose de 60mg/Kg semanal é suficiente para todos os doentes. Para a mesma mutação ou nível sérico de A1AT, há vários graus de severidade da doença em indivíduos distintos, o que alerta para o potencial papel da avaliação da atividade anti-elastase nos indivíduos com deficiência de A1AT. Os polímeros circulantes também poderão ser um método de avaliação nestes doentes PiZZ.

Atualmente, temos mais uma ferramenta que nos pode ajudar a perceber quais os parâmetros mais importantes na deficiência de A1AT, o registo EARCO, um estudo multicêntrico com o objetivo de conhecer melhor os doentes com deficiência grave, desde os dados epidemiológicos, aos métodos de diagnostico, tratamento e seguimento destes doentes.


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Deficiência de alfa 1 antitripsina - tudo se resume aos polímeros?
Autor do comentário: Dra. Joana Gomes. MD, Pneumologista. Centro Hospitalar do Porto-Hospital de Santo António

Alexa Núñez, Irene Belmonte, Elena Miranda, Miriam Barrecheguren, Georgina Farago, Eduardo Loeb, Mònica Pons, Francisco Rodríguez-Frías, Pablo Gabriel-Medina, Esther Rodríguez, Joan Genescà, Marc Miravitlles, Cristina Esquinas
Respir Res. 2021 Sep 15;22(1):244. doi: 10.1186/s12931-021-01842-5. (Abstract do artigo base)

Os polímeros de alfa-1 antitripsina (AAT) são agregados de proteína com conformação alterada que são depositados no retículo endoplasmático dos hepatócitos, sendo esta a base fisiopatológica da doença hepática na deficiência de alfa 1 antitripsina (DAAT). Apesar da maioria destes polímeros ficar retida nos hepatócitos, alguns conseguem ser secretados para a corrente sanguínea e outros são secretados pelos macrófagos alveolares, adquirindo actividade pro-inflamatória e quimiotática a nível pulmonar. Além disso, os polímeros provenientes dos macrófagos alveolares não possuem actividade anti-elastase, agravando o desequilíbrio proteases-antiproteases. Também se sabe que o fumo do tabaco, além de inactivar a AAT por oxidação, aumenta a concentração dos polímeros nos macrófagos alveolares, conduzindo a dano pulmonar.

Este estudo teve como objetivo determinar se existe associação entre os níveis de polímeros circulantes e a severidade das doenças pulmonar e hepática na DAAT. Os resultados evidenciaram que os doentes Pi*ZZ apresentaram os níveis de polímeros circulantes mais elevados, seguidos pelos heterozigotos Z e variantes raras. Os doentes com menores concentrações de polímeros circulantes foram os controlos (Pi*MM e Pi*MS) e doentes com o alelo S. As concentrações de polímeros circulantes foram significativamente mais altas em doentes com doença pulmonar e hepática concomitante e correlacionaram-se com as alterações da função pulmonar (avaliada por espirometria) e da rigidez hepática (medida por elastografia hepática transitória). Também se verificou que os doentes PI*ZZ sob terapêutica de substituição com AAT apresentaram maior concentração de polímeros circulantes que os doentes não tratados, mesmo com amostras colhidas em vale, o que levanta a hipótese da presença de polímeros de AAT nas preparações terapêuticas de AAT.

Perante os resultados deste estudo, os autores propõem que a concentração de polímeros circulantes permita auxiliar na identificação dos doentes com DAAT com maior risco de desenvolver doença pulmonar e hepática, assim como providenciar melhor compreensão sobre os mecanismos da doença. No entanto, reconhecem que estudos com um número superior de doentes e com outros genótipos serão necessários para clarificar estas conclusões.


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  Coordenação Científica Comentadores convidados
 

Dra. Joana Maria Lobo Gomes
MD, Pneumologista
Hospital de Santo António
Centro Hospitalar do Porto

Dra. Ana Sofia Santos
MD, Pneumologista, Centro Hospitalar Lisboa Central
Hospital de Santa Marta

Dra. Catarina Sofia Romano Gonçalves Guimarães
MD, Pneumologista
Hospital Senhora da Oliveira - Guimarães

Profª Susana Seixas
PhD, Instituto de Patologia e Imunologia Molecular
da Universidade do Porto (IPATIMUP), Porto

 


Apoio

Dra. Rosa Leal
Medical Scientific Liaison
CSL Behring Biotherapies for Life™

 





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